Grande Rio conquista título inédito em desfile que buscou desmistificar a imagem do orixá

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Festa na Baixada Fluminense. Integrantes da Grande Rio se acabam na comemoração pelo primeiro título da escola de Caxias no Grupo Especial, na quadra da agremiação: milhares de latinhas de cerveja foram o combustível dessa alegria Foto: ROBERTO MOREYRA / Agência O Globo

RIO — A espera acabou! O carnaval tem sua primeira campeã após a parada da pandemia, e o troféu vai para a Acadêmicos do Grande Rio, quebrando um tabu de três décadas. Com caminhos abertos por Exu, o enredo que levou à Avenida este ano, a escola conquistou o primeiro título de sua história, feito que a tricolor tentava alcançar desde 1991, quando estreou no Grupo Especial.

A consagração de um desfile inovador e exuberante, apontado como um dos mais arrebatadores dos últimos tempos, foi como um rastilho para a comunidade de Duque de Caxias explodir em festa na quadra, depois de ter amargado quatro vice-campeonatos, incluindo o de 2020, quando perdeu para a Viradouro no quesito de desempate.

Desta vez, a Grande Rio — vencedora também dos Estandartes de Ouro de melhor escola e de mais quatro categorias — passou quase ilesa pela avaliação dos jurados, terminando a leitura das notas com 269,9 pontos (e apenas um décimo perdido em samba-enredo).

O resultado premiou ainda o que os jovens carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora chamavam, ainda no barracão, de “uma visão exuzíaca do mundo”, citando o pesquisador Luiz Antônio Simas. Essa perspectiva foi traduzida na Avenida com o hipercolorido das fantasias e alegorias gigantes, e com tons quentes, como o vermelho do abre-alas, para mostrar as facetas de Exu, não só o orixá, mas também suas manifestações no dia a dia, como Exu Catiço.

Entre os muitos momentos de extrema beleza do desfile, o último carro chamava a atenção: a estrutura era toda coberta de restos de fantasias velhas, pedaços de esculturas, adereços de outros carnavais e lixo recolhido pelos catadores da associação do antigo aterro de Gramacho, em Duque de Caxias. No enredo, foi uma das soluções dos carnavalescos para mostrar que uma das chaves de compreensão do orixá é a transformação, a reciclagem.

— Que momento estou vivendo! Parece um sonho. Às vezes, parece que estou voando, dormindo. Se for, não quero acordar desse sonho maravilhoso — dizia na comemoração o ator Demerson D’alvaro, que brilhou no Sambódromo ao encarnar Exu na comissão de frente, o que garantiu a ele o Estandarte de Ouro de destaque do público, como uma das caras do desfile campeão.

Mais comunidade

A vitória foi também a coroação de uma agremiação que decidiu se transformar nos últimos anos. Se antes era conhecida como a escola dos famosos e que causava questionamentos por enredos patrocinados, como o da mineração ou o do gás extraído da Amazônia, na virada da última década a Grande Rio decidiu valorizar mais a comunidade em suas apresentações. Deu espaço também para jovens sambistas forjados dentro de suas próprias bases, como o mestre da bateria Fafá, de 31 anos. E, em 2020, a aposta na dupla Haddad e Bora, vindos da Série Ouro, a segunda divisão do carnaval, foi a mexida que faltava para a escola despontar na Avenida com um novo perfil.

Na estreia dos carnavalescos, numa tentativa de reconectar também os enredos da tricolor com suas raízes, eles optaram pelo enredo sobre Joãozinho da Gomeia, o Rei do Candomblé, cujo terreiro ficava em Duque de Caxias. E, agora, Exu, enredo que nasceu também da vontade de desmistificar a imagem do orixá, muitas vezes demonizada pela sociedade.

A comunidade respondeu a esse novo momento. Ontem, mesmo sendo um dia de semana, a festa seguiu noite adentro na quadra. A escola preparou um grande esquema para os componentes, que se abraçavam e cantavam o samba-enredo sem parar.

— A escola se dedicou muito. Hoje (ontem) foi o nosso dia. Espero que os tempos de luta sejam de alegria e festa. Exu é caminho e vida — dizia, na quadra, Sérgio Souza, que faz parte da escola há mais de 30 anos.

Choro e grito

Aderecista da escola, Luís Tavares, de 25 anos, nascido e criado nas bases da Grande Rio, também celebrou:

— A Grande Rio é a minha vida, a razão do meu viver, meu chão. O grito estava entalado na garganta.

Logo após o resultado, com o título que se confirmou no quesito evolução — o mesmo que havia tirado o campeonato da tricolor em 2020 —, por onde se olhasse na quadra se via choro e gritos de “é campeã”. Uma festa e tanto embalada por 150 mil latinhas de cerveja distribuídas pela escola à multidão.

— Em 2020, a gente quase chegou lá. Então, trabalhamos dobrado para chegar a este título. Finalmente ganhamos. Estamos sem palavras e emocionados — dizia o estilista Bruno César, responsável pelas fantasias das musas da escola, contando que preparar o carnaval pós-pandemia foi muito difícil, com muitas perdas para a Covid-19. — A gente estava com o coração apertado, muita gente dizendo que arrasamos. Mas, só agora, depois da apuração, é que sabemos que fizemos um bom trabalho. Voltar com a pandemia foi muito complicado, tiramos força e vencemos — destacou.

Carnavalescos renovados

A celebração também se estendeu por ruas no entorno da quadra, no Centro de Duque de Caxias, onde se multiplicaram churrasquinhos e sorrisos pelas calçadas. Para 2023, a promessa é repetir a dose. E com um trunfo já garantido. Antes mesmo da leitura das notas, a escola já havia renovado com os carnavalescos campeões.

— Renovamos ontem (anteontem), vamos seguir com esse processo vitorioso que temos em Caxias. Fomos abraçados pela comunidade, temos total apoio do nosso presidente. É motivo de orgulho poder defender essa grande escola — disse Haddad, ainda na Praça da Apoteose.

Fonte: Extra.globo