Para livrar Bolsonaro, Pazuello transforma presidente em figura decorativa

Compartilhe

O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello durante depoimento à CPI da Pandemia. Foto: Adriano Machado/Reuters

Esqueça o presidente que manda comprar vacina na casa da mãe de quem perguntou.

Que chama de idiota quem, na falta de imunizante, está em casa até agora esperando a pandemia passar.

Que promove aglomerações, prega contra o uso de máscaras e aposta em medicamento ineficaz.

Que sugere a criação, pela China, de um vírus em laboratório para iniciar uma guerra bacteriológica.

Que chama segunda onda de conversinha e a primeira, de resfriadinho. Que estava no finzinho.

Aquele presidente que você conhece é só persona. Uma figura política que está ali para criar engajamento enquanto anima o auditório.

É mais ou menos isso o que dá para intuir do depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello à CPI da Pandemia. Ao menos até a sessão ser suspensa, numa história até agora mal explicada.

Lembra do episódio em que Pazuello anunciou a intenção de compra da Coronavac, a vacina produzida pelo Instituto Butantan, em São Paulo, em parceria com um laboratório chinês? E que foi desautorizado pelo presidente, que mandou o governador João Doria (PSDB-SP) procurar outro para vender a sua “vacina chinesa”, que causava morte e invalidez?

Pois era só tipo. Zuera mesmo.

Quando olhou com um sorriso amarelo para as câmeras, diante do chefe, para explicar o recuo na intenção de compra, e disse que a vida era assim, um manda, outro obedece, o então ministro da Saúde estava apenas usando um jargão, uma brincadeirinha da caserna.

Nos bastidores, disse o ex-subordinado, Bolsonaro jamais deu ordens para deixar de comprar vacinas. Mesmo tendo o ministério interrompido a negociação depois do pito.

“Aquilo ali é a figura política dele”, disse aos senadores da CPI o general ao ser confrontado sobre as declarações do presidente em suas redes.

Bolsonaro, afinal, tem a cabeça dele, “outros pensamentos”. Quando ele incentiva aglomerações, ele está apenas “tratando a parte do psicossocial, a parte da posição do povo em acreditar que isso vai passar”. Autoajuda política na veia.

Para Pazuello, Bolsonaro tem suas opiniões, mas nem por isso interfere no trabalho dos auxiliares que pensam diferente. “Só levo a sério o que é tratado comigo pessoalmente, como ministro”, disse Pazuello, reiterando que não retira ordens de redes sociais.

Então tá.

Em uma clara estratégia “vai que cola”, Pazuello disse que fez o que pode para evitar o colapso em Manaus. Jurou ter agido rapidamente assim que soube da situação da falta de oxigênio na capital amazonense. Foi confrontado pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-GO), que demonstrou a morosidade das autoridades com documentos mostrando inúmeros alertas recebidos e ignorados pela pasta. O ex-ministro se esforçou para dizer que o sufoco, se houve, durou menos de três dias.

Em sua fala, Pazuello tentou desmentir o depoimento do representante da Pfizer no país, que disse ter ficado dois meses no vácuo após apresentar ao governo brasileiro uma proposta de compra de sua vacina. Deixou no ar, assim, a possibilidade de voltar à comissão como parte de uma acareação

O general disse que houve resposta, mas que tentou negociar condições melhores para a aquisição. Tudo para depois dizer que ele mesmo não negociava nada nem reconhecia ordem alguma.

Ele disse também que não conversava com o presidente, ou seus filhos, com a frequência que gostaria, sobre as prioridades para a crise sanitária.

Nos depoimentos anteriores, os antecessores na Saúde, os médicos de formação Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, deixaram claro o desconforto com a ingerência e as obsessões do presidente em temas como imunização do rebanho e uso ostensivo da cloroquina.

Por coincidência, foi só quando nomeou um não-especialista para a pasta que Bolsonaro viu sua vontade ser convertida em política pública. Inclusive com um app orientando usuários com dúvidas sobre a covid para tomar cloroquina no pacote do tratamento precoce. Ideia, segundo Pazuello, da secretária do ministério Mayra Pinheiro, conhecida como “Capitão Cloroquina”.

Como já haviam feito Ernesto Araújo e Fábio Wajngarten, Pazuello tentou passar a ideia de que Bolsonaro é só um menino teimoso, com ideias próprias, que passa o dia brincando e faz bico quando precisa tomar banho —no caso, agir como líder e repassar à população as recomendações das autoridades sanitárias.

Na pior das hipóteses, Pazuello criou uma realidade paralela diante da CPI —o que é grave e pode complicar o general caso fique provado que ele mentiu.

Na melhor, quem ainda se pauta pelo que a “persona política” do presidente diz nas redes —a principal mola propulsora de sua ascensão à Presidência —pode deixar de segui-lo. Nem seus ministros levam a sério o que ele diz por lá.

Quando Eduardo Pazuello assumiu, ainda interinamente, o Ministério da Saúde, em 16 de maio de 2020, pouco mais de 15,6 mil pessoas haviam morrido em decorrência do coronavírus no Brasil. Ao deixar o posto, o número de vítimas fatais passava de 180 mil.

Perguntado sobre o que explica a sua saída do ministério, Pazuello respondeu de prontidão: “missão cumprida”.

Fonte: Yahoo