Com pronunciamento, Sergio Moro tem seu dia de Pedro Collor e Duda Mendonça

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O ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Foto: Andressa Anholete/Getty Images

Sergio Moro acaba de mandar para as cucuias a fantasia de justiceiro usada por Jair Bolsonaro para se eleger presidente.

Ao entregar o cargo de ministro da Justiça, disse com todas as palavras que o ex-capitão tentou interferir politicamente no comando da Polícia federal. Queria alguém que pudesse telefonar e compartilhar documentos relativos a investigações. Isso, reiterou, não aconteceu nem nos governos petistas no auge da Lava Jato.

Filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro está no centro de uma investigação sobre um suposto esquema de rachadinha em seus tempos de deputado estadual no Rio.

Há informações também de que a polícia avançava sobre o chamado gabinete do ódio do governo.

Isso sem contar o que ainda não se sabe das relações do miliciano Adriano da Nóbrega, morto em uma ação da PM da Bahia, com o clã.

Foi neste barco que Sergio Moro emprestou a âncora e o prestígio após surgir como símbolo do combate à corrupção.

Moro sai da história como um ex-juiz que abandonou a magistratura em troca de um projeto (o combate à corrupção e ao crime organizado, segundo ele) e que, em nome desse projeto, não se dobrou a interesses palacianos.

Se não fosse tão odiado por petistas e, agora, pelos bolsonaristas (75% dos eleitores só no primeiro turno das últimas eleições), poderia sair da entrevista coletiva como favorito à sucessão presidencial. Mas há muita água para rolar até lá.

Nas palavras da senadora Katia Abreu, Moro fez uma delação premiada ao vivo durante o pronunciamento. Ele não apresentou nenhuma irregularidade, mas deixou claro que desconfiava das intenções do chefe ao insistir em interferir na autonomia da PF.

Historicamente, a fala pode ser comparada ao depoimento do publicitário Duda Mendonça à CPI dos Correios em agosto de 2005, quando relatou a abertura de uma conta no exterior para receber dívidas da campanha vitoriosa de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002. Ele chorou e fez parlamentares chorarem ao desenhar o caminho do caixa dois.

Petistas históricos saíram daquele depoimento em direção à oposição — uns hoje estão na Rede, outros, no PSOL.

Lula seria reeleito e elegeria duas vezes Dilma Rousseff presidente, mas a casca de partido combativo se perdia ali — o que foi fundamental para os rumos da legenda após o mensalão e a Lava Jato.

Quinze anos depois, foi o ex-juiz da Lava Jato, responsável pela primeira condenação de Lula na primeira instância, quem caiu atirando contra o governo que ajudou a eleger.

Outros presidentes tiveram momentos semelhantes. Em maio de 1997, Brasília foi sacudida após a Folha de S.Paulo relevar que os deputados Ronivon Santiago e João Maria, do antigo PFL, negociavam a compra de votos para aprovar a PEC da reeleição de Fernando Henrique Cardoso. A tropa de choque tucana entrou em campo e FHC foi reeleito, mas perdia ali a moral para falar de escândalos nos quintais alheios — ao menos a ponto de impedir quatro derrotas para o PT nas eleições presidenciais entre 2002 e 2014.

Muito antes, em 1992, o governo Collor já havia sido abalado pela famosa entrevista de Pedro Collor, irmão do presidente, à revista Veja. Foi quando ele revelou que o encrencado PC Farias, que ele chamou de “bomba atômica ambulante”, era testa-de-ferro do presidente. Collor caiu pouco depois.

Sem uma das pernas de seu tripé, formado também por Paulo Guedes e pela ala militar, Bolsonaro pode até chegar ao fim do governo. Mas as suspeitas sobre suas intenções políticas para mexer na PF, jogadas no ventilador por um dos homens responsáveis por sua eleição e a sustentação de seu governo, fatalmente mancham sua máscara de messias eleito para “limpar” o país.

Não significa o fim da linha. Mas a fala de Moro muda as relações de força em qualquer debate que Bolsonaro e seus apoiadores participem daqui em diante.

Fonte: Yahoo